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Um pedido inesperado num exame de faixa

Foto do escritor: Andrei MoschetoAndrei Moscheto

Quando fui fazer o meu último exame de faixa-preta em Ki Aikido, lá em 2017, o professor Koichi Kashiwaya reparou que eu levava comigo, no meu kit de armas de madeira, três apetrechos de treino: um “bokken”, que é uma espada de madeira; um “joo”, que é um bastão de madeira; um “suburitoo”, uma espada de madeira mais pesada. Uma espada de verdade tem um peso maior do que um “bokken”, então treinar com um “suburitoo” teria a função de estar treinando com uma arma com peso mais aproximado ao real. Estava prestes a começar a fazer uma sequência de movimentos exclusivamente com o “bokken”, que era parte esperada do exame ao qual eu tinha me preparado da melhor forma que me foi possível, e recebi a primeira surpresa:


- Andrei, faça com o “suburitoo”.


Era uma surpresa, de última hora, num dos exames de faixa mais importantes da vida de alguém que pratica Ki Aikido e eu disse a frase “Sim, professor” em japonês e mais nada, fazendo costume. Todo mundo que assistia só ouviu da minha boca:


- Hai, Sensei!


Tudo bem! Surpresas à parte, eu tinha treinado as sequências com o “suburitoo”, meu Sensei Wilson Sagae sempre forçou um trabalho mais intenso com movimentos de espada. Estava até tranquilo e comecei a ir em direção ao ponto do espaço onde iria iniciar os movimentos, mas foi interrompido por mais um pedido:


- Andrei, faz com o “bokken” na outra mão.


E aí veio o bug: não existe sequência de movimento com duas espadas em Ki Aikido! Você segura a arma com as duas mãos e realiza os movimentos. Então, internamente, veio uma série de perguntas: como eu vou fazer esses movimentos com duas espadas? Corto com uma de um lado e a outro do outro? Usa ambas juntas? Por dentro eu queria fazer todas essas perguntas ao mesmo tempo, mas o professor e todo mundo que assistia só ouviu:


- Hai, Sensei!


Fui lá fazer. E fiz. Tive até um feedback positivo, por parte de alguém que assistiu o exame e me disse “ah, não sabia que não tinha, vi você fazendo e achei que era algo regular”. Isso me deixou feliz, mas encucado: como eu soube fazer algo que nunca fiz na vida?


É claro que agradeço a arte da improvisação pelo percentual da extrema cara de pau de fingir normalidade perante o imponderável. Mas foi o próprio Ki Aikido que me preparou para este momento. Ao retirar do tatame o enfrentamento contra o falso inimigo e buscar repetidamente a lidar com diversas forças opostas, nossa arte marcial foca praticamente em adaptação.


Sei que isso provoca um olhar incrédulo por parte de praticantes de outras artes marciais, cujo foco em defesa pessoal precede o restante. Sei também do valor que é sentir-se seguro perante as incertezas da possibilidade de ser uma vítima da violência. Mas ao criar uma arte que foca na adaptabilidade de seus praticantes, acredito que o Ki Aikido prepare para enfrentar (da melhor forma possível) diversas intempéries que você enfrente, tanto no campo corporal quanto na mente e no social.


Agradeço a Koichi Kashiwaya sensei que, em meu último exame de faixa, deu-me de presente a epifania de entender, por alguns segundos, a força de nossa arte.


Andrei Moscheto

coordenador do Instituto Shukikan

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