Uchi deshi (内弟子 estudante interno) é um termo japonês que designa aquele aluno ou aprendiz que, estando sob os auspícios directos de um sensei, estuda uma determinada arte marcial ou outra disciplina tradicional em tempo integral.
Quando se é uchideshi de algum sensei você sente, dorme, respira, treina e vive naquela arte marcial. Abre mão muitas vezes de ter uma família, um trabalho e hobbies para se dedicar integralmente à arte marcial, sobrando pouquíssimo tempo para outras atividades. O que acontece com muitas pessoas, inclusive comigo, é que não somos uchideshi de algum sensei, mas sim da vida.
Como assim? Bom, um uchideshi da vida trabalha das 8 às 18h, tem uma família, tem hobbies e sobra pouquíssimo tempo para o Aikido. O que isso implica é que o treino marcial é geralmente feito quando se está cansado de trabalhar o dia todo, que, às vezes, é dada prioridade à outra coisa e o treino fica de lado.
Eu, especificamente, sempre tentei fazer do Aikido uma rotina e sempre ir nas duas aulas da semana. E, sinceramente, isso estava bom. Até que eu conquistei a faixa marrom. Simplesmente porque o próximo passo da graduação é a faixa preta.
A faixa preta.
Pode ser que seja culpa dos filmes, pode ser que seja porque as pessoas que eu mais admiro usam uma faixa dessa cor, pode ser porque eu me cobro muito. Mas o fato de eu estar treinando para a faixa preta coloca uma pressão palpável na minha dedicação ao Aikido e expõe todas as falhas do meu treino:
“Por que eu tenho tanta dificuldade de fazer Jo com a mão esquerda?”
“Por que eu não consigo decorar 15 Taigis?”
“Por que esqueço de me concentrar no ponto um quando surge alguma dificuldade?”
“Por que eu não consigo dedicar mais tempo para treinar?”
Cada um lida com as suas falhas de uma certa maneira, mas é fato de que todas elas exigem que seja investido tempo. Na minha jornada conheci alguns senseis, cujo tempo foi usado da seguinte forma:
– Começou a treinar tanto aikido que enxergou com detalhes os usos dele em defesa pessoal e acabou se especializando nisso, em especial na defesa para mulheres, chegando a dar até cursos;
– Começou a dar aulas matinais para se obrigar a treinar e usar as dúvidas dos alunos como material para aprender e poder respondê-los;
– Estudou tanto e procurou entender como funciona o ki que ficou excelente em suas aplicações terapêuticas e medicinais, oferecendo alternativas à medicina ocidental.
Então se, ou quando, você estiver treinando para algum objetivo grande na sua vida, lembre que, muito provavelmente, a disciplina que você vai adquirir, as falhas que você vai corrigir e todas as outras coisas que aprender, serão o processo. O resultado será a faixa preta. Mas, que nem dizem por aí “Deve-se apreciar o processo, pois se apenas o resultado for apreciado você terá um processo horrível e doloroso”. Então mesmo sem ter muito tempo para treinar, já que somos uchideshi da vida.
Que o seu processo seja satisfatório, porque um dia a faixa preta virá.
Foto de Amir Esrafili
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