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Nestas férias eu quase me meti numa briga. Era uma madrugada e, bem na frente da casa em que estávamos na praia, um grupo de bêbados estava com uma daquelas caixas de som ligada alta, com música de batida hipnótica tocando sem parar. Chamamos a polícia (que nunca veio) e, num rompante, fomos lá conversar com eles. Minha esposa foi quem falou, eu só vim atrás. Ela pediu pro cara mais velho do grupo pra eles baixarem o som naquele horário. Ele falou, com voz meio grogue que já iriam desligar, quando me olhou e disse: E por que ele tá com a mão fechada?
Não estava, só tava segurando uma chave. Só que, a partir desse ponto, a matilha de amigos bêbados se alvoroçou. A partir daquele momento tudo poderia ter dado muito, muito errado.
O que aconteceu na sequência foi: eu também fiz um apelo para que eles baixassem o som e, quando vi que o caldo poderia entornar, fui me afastando. Os outros bêbados, talvez entusiasmados pelo fato d'eu me afastar, começaram a pedir para que eu voltasse para resolver a situação na porrada.
Depois do ocorrido, ainda bem que sem violência, ficamos pensando em todos os cenários em que isso poderia ter dado muito errado: alguém poderia ter uma arma, os bêbados poderiam ter me cercado ou minha esposa, poderiam ter vandalizado a casa em que estávamos, tudo de absolutamente ruim que um enfrentamento desses pode causar. Foi nessa conversa que surgiu uma hipótese: Do jeito que eles estavam bêbados, era bem provável que batesse neles.
Quando adolescente eu sofri bullying: o de receber apelido ofensivo, compartilhado por uma sala e depois pelos outros anos; de apanhar no recreio ou na rua de casa. Dos clássicos de cinema americano dos anos 80 só não fui pra lata de lixo e não perdi o dinheiro do lanche. Nessa época, também por causa de cinema americano, eu sonhava acordado com o dia em que teria músculos e agilidade suficiente para acabar com todos aqueles que me agrediram e, também, com quem não tinha falado nada pra me defender. Eles estariam todos desmaiados no chão e, vitorioso com o meu poder físico insuperável, eles me pediriam desculpas, arrependidos, e o mundo seria muito melhor dali pra frente.
Hoje, mais de três décadas depois, esse sonho acordado é um pequeno pesadelo.
Aprender artes marciais é ter consciência que violência tem repercussões que o cinema não mostra. Impactos físicos repercutem no corpo e na mente pelos dias, meses e anos que virão à frente. Conseguir ter habilidade técnica (e sorte) de vencer um confronto físico não significa estar livre de remorso, de culpa de ter ferido alguém e das feridas que permanecem no corpo.
O "machão" não considera isso. Ele tem certeza de que seus murros são infalíveis, que sua vitória é incontestável, que do alto da sua macheza seus gritos estão sempre certos. Ele desconsidera a dor que vai repercutir em outras pessoas, porque o "machão" está pensando só em si mesmo. O "machão" não tem dor (por isso pode bater em quem quiser), ele não fica doente (por isso nunca vai no médico), ele não tem sentimentos porque isso não é coisa de "machão" (por isso ele pode ofender todo mundo - mas fica fica ofendidíssimo quando não respeitam os dele).
Minhas férias poderiam ter tido um destino bem diferente no meu encontro com um grupo de "machões", porque eles não estavam preocupados com repercussão, dor, sentimentos. Estavam inclusive, cercados de pessoas que tiveram que aprender como lidar com um "machão": não contrariar, não responder, não contestar. O cérebro do "machão" não consegue aceitar que erra, que lhe falta compreensão, que suas atitudes machucam as pessoas que o cercam. O "machão" com poder aquisitivo estará cercado de puxa-sacos sendo coniventes com sua violência e dando razão para suas grosserias. O "machão" sem isso, provavelmente, estará cercado de solidão.
É um exercício diário se afastar desse tipo de pensamento, porque queremos a fantasia de que algo simples poderá resolver algo complexo: o soco acaba com conflitos, a pílula emagrece, o presente acaba com os conflitos do relacionamento.
Que possamos ser, cada vez mais, empáticos com outros e conosco mesmo - afinal, o "machão" está lá, sofrendo em ser quem é, mas ele não vai reconhecer de jeito nenhum. Quem sabe, ao não ficar "machando" por aí, possamos ajudar alguns a "des-macharem" e serem um pouco mais equilibrados com o universo.
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