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Eu sinto o que eu sinto

Foto do escritor: Andrei MoschetoAndrei Moscheto

Nem todo mundo sabe disso, mas eu fiz intercâmbio no Japão, com 17 anos de idade. Morei numa família japonesa, frequentei escola regular e foi uma experiência transformadora para a minha vida em muitos níveis. Algumas das coisas vividas são ressignificadas com o passar do tempo e, atualmente, eu tenho uma nova pra contar.


Viver num país estrangeiro, longe de tudo e todos na era pré-internet, não era fácil. Descobrir na pele o real significado de xenofobia, aos 17 anos de idade, também não. Em muitos momentos do ano no estrangeiro a tristeza e a desesperança batiam forte, até por não saber exatamente que emoções eram essas que estava passando.


Foi no meio de uma dessas crises de "o que é que eu tô fazendo aqui" que chegou uma carta da minha família. Minha mãe, querendo me manter informado do que acontecia no Brasil e no mundo, mandava uma série de recortes de jornal dentro dos envelopes pardos - sim, jovem, antes do WhatsApp a gente usava carta mesmo, e demorava semanas pra chegar.


Eu lá, na minha fossa existencial, me deparo com uma imagem terrível: uma foto de jornal mostrando uma tribo subnutrida que estava sofrendo muito perante conflitos militares em sua região. Crianças que eram quase que só esqueletos, mães com rosto semi cadavérico, a imagem da desolação máxima. Perante o desastre, perante a fome no mundo, quem era eu para me sentir triste?


Eu carreguei este raciocínio por muito tempo (ainda carrego) meio que orgulhoso de ter tido esse tipo de epifania. E a imagem da vila desolada voltava ao meu pensamento, quando eu racionalmente falava "verdade, perante algo tão terrível, o que estou passando não é nada."


Mas o racional não impede a gente de continuar sentindo o que a gente sente.


Por mais que a matemática esteja dizendo que o valor da outra dor é tão maior que, em comparação, a sua tende a zero... O seu espírito tá lá, doendo, sentindo a sua "pequena" mazela e mantendo ela ali, com você. Ao fingirmos que não sentimos aquilo que sentimos essa dor não deixa de existir. Ela tá ali, pronto pra se juntar a uma próxima dor, e a outra, e a outra.


Quando você vê aquela primeira dor tá gigante, monstruosa, te olhando nos olhos e dizendo:


- Ué?! Você não disse que só queria lidar comigo se eu fosse grande o suficiente? Pois então: Eu cresci!


Aprender a lidar com os seus sentimentos não pode ser suprimi-los, fingir que não existem. Precisamos entender o que eles fazem conosco, com o nosso ao redor, para que possamos aprender o que sabemos lidar e quando temos que pedir ajuda.


Diz um velho ditado que "Deus nunca dá uma cruz maior que você possa carregar" e, hoje, do alto dos meus 45 anos de vida, eu digo: Mentira! Porque a gente não enxerga de fora pra saber o tamanho da cruz em relação a nós mesmos. A gente só sente o peso dela no lombo. Fingir que a cruz não tá lá não tira a gente do calvário, só faz a gente carregar uma cruz para todos os lados que a gente vai.


Por isso a gente se esforça a entender o que viveu, o que aprendeu e, às vezes, é necessário rever epifanias dos 17 anos pela perspectiva do seu eu atual. Até porque, em 28 anos, quem sabe eu refaça a leitura deste artigo para outro tipo de pensamento.


Sejamos sábios em lidar com nossas dores e humildes em reconhecer que certas cruzes demandam mais de um ombro para carregar.


Andrei Moscheto

Coordenador do Instituto Shukikan









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